Parece
haver unanimidade sobre as vantagens do sistema de ciclos para a aprendizagem,
visto como metodologia, que observa, no ensino, as fases do desenvolvimento
infantil. A sua proposta está embasada em Jean Piaget , na qual o
desenvolvimento infantil ocorre por fases. Adapta-se o processo de construção
do conhecimento a essas fases da criança. Os ciclos, coincidindo às fases do
desenvolvimento, aumentam as possibilidades de aprendizado, pois o ritmo das
crianças é respeitado. Traz a possibilidade de o aluno aprender de acordo com
seu ritmo, no espaço de 2, 3 ou 4 anos. Também, nesse processo, levam-se em
conta os conhecimentos que as crianças trazem de casa, da convivência social.
O aluno recebe um atendimento diferenciado; é acompanhado
individualmente em suas deficiências. É um processo que visa garantir a
permanência e o aprendizado dos alunos, com a propositura de poder haver
reprovação no final de cada ciclo. Ele vem acompanhado de uma estrutura –
recuperação paralela, aulas de reforço, recuperação no período de férias – que
deve permitir a recuperação das defasagens. A coerção, a reprovação, são
substituídas por outros mecanismos, que se transformam em novos estímulos.
É uma proposta
inovadora, mas que requer condições
especiais para a sua aplicabilidade, principalmente mudança de mentalidade. Traz
como uma de suas bases de sustentação o atendimento individual ao aluno.
Na
prática, o que se constata é que os
ciclos não foram assimilados
pela grande maioria dos professores. O que
poderia significar um salto para o futuro está criando confusão, desorganizando
a escola. Também, não está havendo boas condições de trabalho, especialmente
quando se fala em superlotação das classes. Como fica o atendimento individual,
requerido pelo ciclo, nesse caso?
A mudança do sistema seriado para o de ciclos foi rápida,
arrojada. Foi uma transição brusca, os professores não foram preparados para
ela. A mudança não foi discutida pelos professores, que, em conseqüência, não
incorporaram suas necessidades. Não foi feito um levantamento mais criterioso
das condições de ensino, constatando-se falta de instalações, como bibliotecas,
laboratório, salas disponíveis para aulas de reforço, quando, muitas vezes, o
aluno é obrigado a fazer o reforço em outro prédio, outro local e nem sempre
com o mesmo professor, o que descaracteriza a continuidade do processo.
Por
um conjunto de fatores, o ciclo está
sendo mal aplicado, mal entendido. O próprio professor admite seu despreparo
para trabalhar conforme os novos parâmetros, surgindo, assim, um descompasso
entre a proposta de ciclos, em sua progressão continuada, e a mentalidade
predominante na rede escolar.
De acordo com o Ministério da Educação e Cultura (MEC), a
avaliação, realizada em sua 1.ª fase no ano de 1997, revelou vantagens em
relação às demais séries do ensino fundamental, nos agrupamentos das 1.ªs e
2.ªs séries do ciclo básico. Acontece que em 1984, na fusão da 1.ª e 2.ª séries
houve todo um aparato preparatório para os professores da rede estadual de
ensino. Os professores foram treinados para entender e aplicar o processo
ensino-aprendizagem do ciclo, o que não ocorreu em 1998, quando da ampliação
desses ciclos. Aliás, o passo foi bem mais ousado. Poder-se-ia caminhar nessa
direção, mas, mais calmamente, ampliando o 1.º ciclo, de 1.ª e 2.ª séries, para
um segundo, que seria de 3.ª e 4.ª séries. Formar-se-iam dois ciclos de 1.ª à
4.ª série, com um prazo para apurar, em avaliações, o resultado obtido.
Não teria sido conveniente primeiro reciclar o professor,
melhorar sua atuação, mudar-lhe a cabeça, para depois lançar, na prática, as
propostas renovadoras? Não estaríamos, hoje, conseguindo melhores resultados,
caminhando com mais segurança para o futuro?
Sabemos que a reprovação nem sempre significa garantia de melhor
aprendizagem, especialmente se o aluno a encarar como um castigo. O aluno, com
mais idade, sente-se deslocado no seu grupo, podendo regredir ainda mais. Nesse
sentido, a progressão
continuada é melhor do que submeter o aluno a sucessivos
fracassos.
Não queremos voltar à “cultura da repetência”, época em que
era considerado o melhor professor aquele que mais reprovava, mas também não
podemos criar a “cultura da aprovação”, quando a aprovação em massa poderá ser,
em contrapartida, um desestímulo ao bom aluno, que não percebe critério,
justiça, além de proporcionar, ao mau aluno, um desrespeito a si mesmo e à
aprendizagem não ocorrida.
Independentemente do sistema adotado, é preciso educar para
a auto-estima. Compreender as raízes sociais do fracasso, como a desestruturação
da família, a miséria... e ajustar-se a elas, lutando pelo êxito da criança,
afastando-a das ruas.
O governo argumentou,
em 1998, que a política de acabar com a
repetência, introduzida na rede pública, reduziu as perdas
do sistema de R$ 700 milhões para R$ 350 milhões. Eu me pergunto: se esses
milhões fossem empregados na formação do professor, na infra-estrutura da
escola, não se conseguiria, a médio prazo, um resultado mais contundente, mais
duradouro, em termos de repetência e de qualidade de ensino?
Ilustrando esta minha observação, citarei a conduta tomada
pela Secretaria Estadual da Educação de São Paulo, quando da implementação, no
início da década de 70, dos Guias Curriculares referentes às matérias do núcleo
comum, elaborados de acordo com as normas traçadas pela Lei de Diretrizes e
Bases da Educação (LDB) n.º 5.692, promulgada no ano de 1971. A primeira
preocupação da Secretaria foi a de capacitar os professores, fazê-los conhecer o conteúdo, a metodologia, a
filosofia, da nova proposta; levá-los a discuti-la, a situar a teoria, em
estudo, na sua prática diária, para somente depois, com os professores já
treinados, lançar os “guias” na rede oficial, em caráter facultativo. Mesmo
sendo facultativo, a acolhida foi geral. Avaliações posteriores revelaram um
resultado positivo surpreendente.
A proposta do ciclo básico é boa, pedagogicamente correta,
mas, para que a progressão continuada venha a representar um avanço, é preciso
investir maciçamente na formação do professor e em suas condições de trabalho.
Do jeito que está sendo aplicada, mais parece uma tentativa de mascarar o
problema da repetência no País.
Deve haver articulação entre as diversas
instâncias dos poderes federal, estadual e municipal. O professor precisa ser
ajudado, mas, na seqüência, também se ajudar, somar esforços para que o aluno
aprenda. É ele, o professor, o responsável para que o bom ensino aconteça. É,
pois, necessário dar condições a que ele garanta a aprendizagem, para não
correr o risco de se lançar no mercado de trabalho, nas portas das
universidades, estudantes despreparados, analfabetos funcionais.
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