quinta-feira, 12 de julho de 2012

EMÍLIA FERREIRO: UMA EXPERIÊNCIA NA CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO


Emília Ferreiro, psicóloga e pesquisadora argentina, deixou-nos valiosa experiência na construção do conhecimento. Preocupada com o alto índice de analfabetismo na América Latina, começou a se questionar o que poderia estar errado para justificar um desempenho tão negativo das crianças. Passou a analisar, pela primeira vez, o conhecimento à luz da criança e não do professor. Resultou em conceitos mundialmente aceitos.
A partir das teorias do biólogo francês Jean Piaget (1896-1980), que fora seu mestre, Emília Ferreiro concluiu que a criança levanta hipótese acerca da escrita e constrói seu conhecimento em quatro fases: 1.ª) pré-silábica – a escrita não tem relação com a emissão da fala (a palavra boi, por exemplo, não é percebida como pequena pela criança, e graficamente costuma representá-la com vários rabiscos. A imagem grande do boi sugere-lhe uma palavra grande; 2.ª) silábica – aqui, a criança descobre a relação fonema-grafema (só que a sílaba “ba”, por exemplo, será lida por ela apenas como “a”; 3.ª) alfabética – nessa fase, começa a colocar as primeiras sílabas, formando o par; e 4.ª) ortográfica – a criança vai, finalmente, em busca das regras do sistema.
Emília Ferreiro considera a alfabetização como um  processo  de aquisição do conhecimento e não apenas como uma técnica de ler e escrever.  Para incorporar esse conhecimento, a criança precisa de tempo para se familiarizar com a língua escrita. No caso de crianças pobres, com quem Emília trabalhou,  esse  tempo  deve ser maior, porque elas não costumam ter em casa jornais, revistas ou livros que lhes possibilitem contato com a escrita.
É importante ao aluno participar do processo de aquisição de conhecimento e executar ações para chegar a um determinado conceito. Ele pode descobrir, por exemplo, os conceitos de volume ou massa manipulando um bola de gude. Em contato com o material, ele faz uma estimativa para desenvolver um método de cálculo. A partir de uma exploração mental da realidade, a criança encontra soluções para um problema concreto.
As pesquisas de Emília abordam a reflexão sobre um objeto que o aluno vai conhecer, como, por exemplo, a linguagem. Seu trabalho sobre alfabetização prevê a relação entre escrita e fala. Não vincula as letras a seus sons. De acordo com esta concepção, o caminho é levar o aluno a explorar a relação entre escrita e significado para descobrir e estabelecer a ligação com a fala.
A criança elabora o que Emília chama de “hipótese silábica” – cada letra representa uma sílaba da palavra. Esta é a primeira fase em que o aluno relaciona a escrita aos aspectos formais da fala. A segunda é a “hipótese alfabética”, fase em que a criança relaciona escrita e fala. A criança, em contato com o material escrito, começa a pensar sobre esta realidade e a resolver problemas.
Uma didática voltada para os alunos de classes populares e fundamentada em conceitos desenvolvidos por Emília, cria situações que favorecem o contato com a escrita. Exemplificando: além de manusear blocos de letras isoladas, os alunos são incentivados à leitura de jornais na sala de aula e de troca de correspondência, em ações que facilitam a aprendizagem da leitura.
Emília Ferreiro vem sendo apontada como autora da revolução conceitual sobre o processo de educação infantil. Ela  teve sua tese de doutoramento orientada por Jean Piaget. Desenvolveu durante duas décadas pesquisas científicas sobre a aprendizagem da leitura e da escrita dentro das proposições da epistemologia de Piaget. Ela mudou o enfoque da pesquisa de alfabetização. Seus estudos indicam que, no processo de aprendizagem, a criança refaz a história da escrita da humanidade. Durante o aprendizado, ela trabalha com desenhos semelhantes aos utilizados pelos antepassados, até alcançar a compreensão de todo o processo.
Segundo Emília Ferreiro, as produções espontâneas são os indicadores mais  claros que as crianças fazem para compreender a natureza da escrita. Antes de entender que as letras podem estar associadas à expressão de uma realidade, elas trabalham com imagens gráficas, como desenhos. Elas vinculam imagens à capacidade de expressar aspecto do real.
Para a psicóloga, a aprendizagem da língua escrita deve ser concebida como o modo de construção de um sistema de representação. Ela questiona a concepção de que a escrita é um código de transcrição de unidades sonoras em unidades gráficas. Nesse caso, a aprendizagem seria entendida como a aquisição de uma técnica e a prática alfabetizadora como um método, que não cria conhecimento.
Segundo suas pesquisas, métodos tradicionais consideram os aspectos gráficos das produções e não os construtivos. Os gráficos relacionam-se com a qualidade do traço, a distribuição espacial das formas etc. Os construtivos, com o que a criança quer representar e os meios usados para diferenciar as representações.

Um exemplo


Emília Ferreiro ilustra formas de diferenciação entre as escritas, elaboradas por uma menina de quatro anos e meio.  Aqui segue o diálogo mantido entre a pesquisadora e a criança.


    (Desenho bonequinho)                      
-- O que você desenhou?                   
-- Um boneco.                                   
-- Ponha o nome.                       
-- (Rabisco – a)                                  
-- O que você pôs?        
-- Ale (seu irmão).                              
-- Desenha uma casinha.        
-- (Desenho)                                      
-- Ponha o nome.                              
-- Rabisco – b)                                  
-- O que você pôs?                            
-- Casinha.                                 
-- Você sabe colocar o seu nome?   
-- (Quatro rabiscos separados – c)
-- O que é isso?
-- Adriana.
-- Onde diz Adriana?
-- (Assinala globalmente)
-- Por que tem quatro pedacinhos?
-- ... Porque sim.
-- O que diz aqui (1.º)?
-- Adriana.
                    -- E aqui (2.º)?
-- Alberto (seu pai).
-- E aqui (3.º)?
-- Ale (seu irmão).
-- E aqui (4.º)?
--Tia Picha.

Emília Ferreiro registrou a importância das diferentes culturas, do multilingüismo, das variações dialetais, variações da fala, no processo ensino-aprendizagem, no processo de alfabetização.
      O professor, ao respeitar a cultura dos alunos, seus costumes, suas
tradições, dá autenticidade à aprendizagem.

O  CONSTRUTIVISMO


Jean Piaget descobriu que as crianças não pensam como adultos, têm sua própria ordem e sua própria lógica. Para a pedagogia tradicional, elas eram como “recipientes” a serem preenchidos com conhecimento. Seymour Pappert, um grande construtivista, matemático que fundou com Marvin Minsky o Laboratório de Inteligência Artificial do MIT, reafirma a posição de Jean Piaget. Diz que as crianças “são ativos construtores do conhecimento, como cientistas que criam e testam suas próprias teorias sobre o mundo”.
Para Piaget, o conhecimento resulta da interação entre o sujeito e o mundo. Mundo em que o sujeito não é passivo e o conhecimento não é cópia, mas construção ou elaboração do mundo. Nas palavras de Piaget, é “assimilação da realidade”.
Construir o conhecimento é aprender uma história pessoal e coletiva, segundo uma estrutura em construção. Dessa forma, o sujeito e o conhecimento se constroem,  isto é,  para haver aprendizagem não basta a transmissão da informação, por mais competente que ela seja. É o sujeito quem, fazendo relações, associando o novo ao já conhecido, vai construindo o conhecimento, segundo a sua estrutura de formação. O sentido do assunto será construído em cada sujeito, de acordo com os esquemas de compreensão que já adquiriu. O mesmo assunto, para uma criança, certamente terá significado diferente da do adulto.  A
criança terá, ao longo da vida, várias oportunidades de ressignificar o assunto, de acordo com sua experiência.
O construtivismo ensina o aluno a criar, a levantar hipóteses, a relacionar, a concluir, a interferir. Passos que levam à formação de conceitos, à interiorização do conteúdo e não à memorização. Vale-se do currículo, da metodologia, para ensinar o aluno a pensar, a formar “uma cabeça bem feita”.
“Emília  Ferreiro  aprofunda  um  aspecto importante no processo de
Caixa de texto: Clique para voltar ao sumárioconstrução  da leitura e escrita: problema cognitivo envolvido no estabelecimento  da relação entre  o  todo  e  as  partes  que  o  constituem. Mostra-nos  que  a criança  elabora uma série de hipóteses trabalhadas através  da  construção  de  princípios organizadores, resultados não só de  vivências  externas  mas   também por um processo interno. Mostra, ainda,  como  a  criança assimila seletivamente as informações disponíveis  e  como  interpreta textos escritos antes de compreender a relação entre as letras e os sons da linguagem”.  (Referência final do livro “Com todas as Letras”).                                                                                           


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