Emília Ferreiro, psicóloga e pesquisadora argentina,
deixou-nos valiosa experiência na construção do conhecimento. Preocupada com o
alto índice de analfabetismo na América Latina, começou a se questionar o que
poderia estar errado para justificar um desempenho tão negativo das crianças.
Passou a analisar, pela primeira vez, o conhecimento à luz da criança e não do
professor. Resultou em conceitos mundialmente aceitos.
A partir das teorias do biólogo francês Jean Piaget
(1896-1980), que fora seu mestre, Emília Ferreiro concluiu que a criança
levanta hipótese acerca da escrita e constrói seu conhecimento em quatro fases:
1.ª) pré-silábica – a escrita não
tem relação com a emissão da fala (a palavra boi, por exemplo, não é percebida
como pequena pela criança, e graficamente costuma representá-la com vários
rabiscos. A imagem grande do boi sugere-lhe uma palavra grande; 2.ª) silábica – aqui, a criança descobre a
relação fonema-grafema (só que a sílaba “ba”, por exemplo, será lida por ela
apenas como “a”; 3.ª) alfabética –
nessa fase, começa a colocar as primeiras sílabas, formando o par; e 4.ª) ortográfica – a criança vai,
finalmente, em busca das regras do sistema.
Emília
Ferreiro considera a alfabetização como um processo de aquisição do conhecimento e não apenas como
uma técnica de ler e escrever. Para
incorporar esse conhecimento, a criança precisa de tempo para se familiarizar
com a língua escrita. No caso de crianças pobres, com quem Emília trabalhou, esse
tempo deve ser maior, porque elas
não costumam ter em casa jornais, revistas ou livros que lhes possibilitem contato
com a escrita.
É importante ao aluno participar do processo de
aquisição de conhecimento e executar ações para chegar a um determinado
conceito. Ele pode descobrir, por exemplo, os conceitos de volume ou massa
manipulando um bola de gude. Em contato com o material, ele faz uma estimativa
para desenvolver um método de cálculo. A partir de uma exploração mental da
realidade, a criança encontra soluções para um problema concreto.
As pesquisas de Emília abordam a reflexão sobre um objeto
que o aluno vai conhecer, como, por exemplo, a linguagem. Seu trabalho sobre
alfabetização prevê a relação entre escrita e fala. Não vincula as letras a
seus sons. De acordo com esta concepção, o caminho é levar o aluno a explorar a
relação entre escrita e significado para descobrir e estabelecer a ligação com
a fala.
A criança elabora o que Emília chama de “hipótese silábica”
– cada letra representa uma sílaba da palavra. Esta é a primeira fase em que o
aluno relaciona a escrita aos aspectos formais da fala. A segunda é a “hipótese
alfabética”, fase em que a criança relaciona escrita e fala. A criança, em
contato com o material escrito, começa a pensar sobre esta realidade e a
resolver problemas.
Uma
didática voltada para os alunos de classes populares e fundamentada em
conceitos desenvolvidos por Emília, cria situações que favorecem o contato com
a escrita. Exemplificando: além de manusear blocos de letras isoladas, os
alunos são incentivados à leitura de jornais na sala de aula e de troca de
correspondência, em ações que facilitam a aprendizagem da leitura.
Emília Ferreiro vem sendo apontada como autora da revolução
conceitual sobre o processo de educação infantil. Ela teve sua tese de doutoramento orientada por
Jean Piaget. Desenvolveu durante duas décadas pesquisas científicas sobre a
aprendizagem da leitura e da escrita dentro das proposições da epistemologia de
Piaget. Ela mudou o enfoque da pesquisa de alfabetização. Seus estudos indicam
que, no processo de aprendizagem, a criança refaz a história da escrita da humanidade.
Durante o aprendizado, ela trabalha com desenhos semelhantes aos utilizados
pelos antepassados, até alcançar a compreensão de todo o processo.
Segundo Emília Ferreiro, as produções espontâneas são os
indicadores mais claros que as crianças
fazem para compreender a natureza da escrita. Antes de entender que as letras
podem estar associadas à expressão de uma realidade, elas trabalham com imagens
gráficas, como desenhos. Elas vinculam imagens à capacidade de expressar
aspecto do real.
Para a psicóloga, a aprendizagem da língua escrita deve ser
concebida como o modo de construção de um sistema
de representação. Ela questiona a concepção de que a escrita é um código de
transcrição de unidades sonoras em unidades gráficas. Nesse caso, a aprendizagem
seria entendida como a aquisição de uma técnica e a prática alfabetizadora como
um método, que não cria conhecimento.
Segundo suas pesquisas, métodos tradicionais
consideram os aspectos gráficos das produções e não os construtivos. Os
gráficos relacionam-se com a qualidade do traço, a distribuição espacial das
formas etc. Os construtivos, com o que a criança quer representar e os meios usados
para diferenciar as representações.
Um exemplo
Emília Ferreiro ilustra formas de diferenciação
entre as escritas, elaboradas por uma menina de quatro anos e meio. Aqui segue o diálogo mantido entre a pesquisadora
e a criança.
(Desenho
bonequinho)
-- O que você
desenhou?
-- Um boneco.
-- Ponha o
nome.
-- (Rabisco –
a)
-- O que você
pôs?
-- Ale (seu
irmão).
-- Desenha uma
casinha.
-- (Desenho)
-- Ponha o
nome.
-- Rabisco –
b)
-- O que você
pôs?
-- Casinha.
-- Você sabe
colocar o seu nome?
-- (Quatro
rabiscos separados – c)
-- O que é
isso?
-- Adriana.
-- Onde diz
Adriana?
-- (Assinala
globalmente)
-- Por que tem
quatro pedacinhos?
-- ... Porque
sim.
-- O que diz
aqui (1.º)?
-- Adriana.
-- E aqui (2.º)?
-- Alberto
(seu pai).
-- E aqui
(3.º)?
-- Ale (seu
irmão).
-- E aqui
(4.º)?
--Tia
Picha.
Emília
Ferreiro registrou a importância das diferentes culturas, do multilingüismo,
das variações dialetais, variações da fala, no processo ensino-aprendizagem, no
processo de alfabetização.
O professor, ao respeitar a cultura dos
alunos, seus costumes, suas
tradições, dá autenticidade à
aprendizagem.
O CONSTRUTIVISMO
Jean
Piaget descobriu que as crianças não pensam como adultos, têm sua própria ordem
e sua própria lógica. Para a pedagogia tradicional, elas eram como
“recipientes” a serem preenchidos com conhecimento. Seymour Pappert, um grande
construtivista, matemático que fundou com Marvin Minsky o Laboratório de
Inteligência Artificial do MIT, reafirma a posição de Jean Piaget. Diz que as
crianças “são ativos construtores do conhecimento, como cientistas que criam e
testam suas próprias teorias sobre o mundo”.
Para Piaget, o conhecimento resulta da interação entre o
sujeito e o mundo. Mundo em que o sujeito não é passivo e o conhecimento não é
cópia, mas construção ou elaboração do mundo. Nas palavras de Piaget, é
“assimilação da realidade”.
Construir o conhecimento é aprender uma história pessoal e
coletiva, segundo uma estrutura em construção. Dessa
forma, o sujeito e o conhecimento se constroem, isto é, para haver aprendizagem não basta a
transmissão da informação, por mais competente que ela seja. É o sujeito quem,
fazendo relações, associando o novo ao já conhecido, vai construindo o
conhecimento, segundo a sua estrutura de formação. O sentido do assunto será
construído em cada sujeito, de acordo com os esquemas de compreensão que já adquiriu.
O mesmo assunto, para uma criança, certamente terá significado diferente da do
adulto. A
criança
terá, ao longo da vida, várias oportunidades de ressignificar o assunto, de
acordo com sua experiência.
O construtivismo ensina o aluno a criar, a levantar
hipóteses, a relacionar, a concluir, a interferir. Passos que levam à formação
de conceitos, à interiorização do conteúdo e não à memorização. Vale-se do
currículo, da metodologia, para ensinar o aluno a pensar, a formar “uma cabeça
bem feita”.
“Emília Ferreiro aprofunda
um aspecto importante no processo
de
construção da leitura e escrita: problema cognitivo
envolvido no estabelecimento da relação entre o
todo e as
partes que o
constituem. Mostra-nos que a criança
elabora uma série de hipóteses trabalhadas através da
construção de princípios organizadores, resultados não só
de vivências externas
mas também por um processo
interno. Mostra, ainda, como a
criança assimila seletivamente as informações disponíveis e
como interpreta textos escritos
antes de compreender a relação entre as letras e os sons da linguagem”. (Referência final do livro “Com todas as
Letras”).
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