O
Brasil é uma terra de contrastes, cresce desordenadamente. Frisante
desigualdade entre o Sul, o Norte e o Nordeste, entre a opulência de poucos e a
cruel, a extrema pobreza de muitos!
No Nordeste, a desnutrição infantil, largamente denunciada,
alcança considerável parcela dessa população e vem gerando o nanismo. Crianças
mal nutridas, sofrivelmente alimentadas, acabam degenerando-se, sucumbindo-se
ou tornando-se nanicas. Perdas de vitaminas, na alimentação das primeiras
idades, não se repõem jamais, dizem os especialistas do assunto. De nada
adianta alimentá-las bem, depois dessa fase; o que se perdeu não se recupera
mais. A criança atingida pelo nanismo está prejudicada de modo irreversível.
Transferindo-se essas perdas para a área educacional, do
mesmo modo, a estimulação precoce perdida, da primeira infância, desassistida
da pedagogia, acarreta deficiências de aprendizagem, dificilmente superadas. O
nosso País privilegia o ensino fundamental, e descuida-se da educação infantil,
fase mais importante do desenvolvimento da criança, comprometendo o futuro de
toda uma geração. As vagas preenchidas
nas creches e nas pré-escolas não são consideradas, pelo governo, para efeito
de cálculo e repasse do Fundef (Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental).
A ciência, em sua descoberta, mostrou que o cérebro é muito
mais elástico do que se imaginava e tem sua capacidade definida nos primeiros
anos de vida, fase em que a quantidade de sinapses (conexões neurais) depende de
estímulos, do trato pedagógico recebido.
O cientista Carl
Seagan, já falecido, pôs em xeque o modelo educa-
cional adotado no Brasil pela negligência com que se atua,
em relação às nossas crianças. Lançou, à reflexão, o desafio da necessidade da
abrangência da educação infantil. Disse ele: “A principal revolução das
primeiras décadas do novo século não estará no uso da informática, mas, sim, na
educação das nossas crianças de muito pequena idade”.
No meu artigo sobre o exame vestibular eu dizia: O vestibular
se constitui na última etapa de uma seleção que começou bem antes, na
aprendizagem das primeiras letras. Seu afunilamento é preenchido por alunos que
receberam a melhor educação, que freqüentaram a melhor escola. Ele é um termostato de todo
o conhecimento adquirido anteriormente. Nesse contexto, escola particular
tornou-se, praticamente, “pré-requisito” para se entrar em uma universidade
pública e, esta a melhor do País -- a que oferece melhores empregos no mercado
de trabalho – fica reservada aos ricos.
Essa discrepância vem de longa caminhada, quando poucos têm
o privilégio de freqüentar o ensino infantil. É aí, nessa fase inicial de estimulação
às primeiras aprendizagens, que se inicia a grande defasagem cultural das
classes menos favorecidas. É aí, nessa faixa etária, que as crianças de
famílias de baixa renda ficam, costumeiramente, de fora. A ausência desse ensino, pelas crianças
pobres, completa o ciclo da desigualdade escolar dessas crianças, futuros adultos, futuros concorrentes à marginalização
profissional.
Felizmente,
a educação desperta-se para a importância da pré-escola. Iniciar a aprendizagem
formal de uma criança pelo ensino fundamental, pulando a pré-escola, é o mesmo
que construir uma casa sem a consistência de um bom alicerce.
É
preciso, pois, lutar pela educação infantil e pelo educador infantil,
defendendo políticas públicas que priorizem esta etapa da educação. A nossa
rede pública atendeu, no ano de 2002, apenas 9% da população de zero a três anos nas creches e 48% das crianças
de idade entre 4 a
6 anos, nas escolas de educação infantil.
A
desatenção ao desenvolvimento integral das crianças na primeira infância
responde pelas significativas taxas de evasão e repetência na escolaridade
básica. As creches não se caracterizam mais como reservatório de crianças.
Hoje, elas têm um conteúdo educacional, critérios curriculares, transformam o
contato das crianças com os educadores em relações de aprendizado. Desenvolvem
na criança os aspectos físicos, cognitivos, afetivos, éticos, as relações
interpessoais e sociais.
A educação começa no berço e os primeiros anos
têm peso fundamental para o resto da vida escolar. A educação que a pessoa teve
no “período de molde” (de 1 a
7 anos) vai influenciar todo o seu comportamento futuro. O tratamento
pedagógico de uma criança não é igual ao de um adolescente, que, por sua vez, é
diferente do de um adulto.
A
criança precisa ser atendida nos próprios interesses, sem imposição, para que
libere o seu potencial, desenvolva a auto-educação, a autonomia na
aprendizagem. Com a educação infantil, iniciam-se as fases específicas do
desenvolvimento mental, que começam com a mais tenra idade e vão até a
adolescência. Aos 14 anos, a criança está madura para raciocinar
hipoteticamente – fase operatória formal ou hipotética – quando se completa,
segundo Jean Piaget, o processo intelectual da criança.
Ao
deixar de freqüentar a educação infantil, a criança perde, em estimulação e em
correspondente aprendizagem, das fases: sensório-motor (ou motora),
pré-operatória e a iniciante operatória concreta, produzindo
considerável lacuna no
desenvolvimento de sua inteligência e de sua formação integral.
A criança é um ser que interage com a realidade,
formando, nessa interação, suas estruturas mentais e, se conduzida
pedagogicamente, terá um desenvolvimento bem mais significativo. O potencial da
criança está relacionado à estimulação ambiental e o encontro desses dois
fatores – potencialidade e estimulação – realiza-se na pré-escola, conferindo a
esta um papel fundamental.
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